terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Deus e a Beleza!



FELIZ ANO NOVO!!!! QUE VENHA 2013!!!! DEPOIS DE MUITO TEMPO SEM POSTAR! NÃO PODIA DEIXAR DE DIZER NADA NO PRIMEIRO DIA DO ANO!!!


Deus e a beleza

            Uma velhinha de voz trêmula e pele cheia de rugas pediu: “Mestre, fale-nos sobre
Deus..”.
            Mestre Benjamin fez silêncio. Olhou para o vazio. Vagarosamente, um sorriso foi-se abrindo.
            “Quantas pessoas aqui na minha tenda estão pensando no ar?”, ele perguntou. “Por favor, levantem uma mão...”
            Ninguém levantou a mão.
            “Ninguém levantou a mão... Ninguém está pensando no ar. Ninguém nem sabe direito o que é o ar. O ar é a nossa vida e não precisamos pensar nele e nem dizer o seu nome para que ele nos dê vida. Mas o homem que se afoga do fundo das águas só pensa no ar. Deus é assim. Não é preciso pensar nele e pronunciar o seu nome. Ao contrário, quando se pensa Nele o tempo todo é porque está se afogando...
            Que desejamos para os nossos filhos? Que eles sejam felizes. Sorrimos ao vê-los por aí a correr, a pular, a cantar, a brincar, pensando nas coisas de criança. Mas enquanto brincam e riem eles não pensam em nós. Se um filho, ao se levantar, viesse até você e o elogiasse, e agradecesse porque você lhe deu a vida e jurasse amor para sempre, e fizesse a mesma coisa na hora do almoço, e repetisse os mesmos gestos e palavras ao meio da tarde, e de noite fizesse tudo de novo, suspeitaríamos de que alguma coisa não está bem. O que desejamos é que eles gozem a vida sem pensar em nós. Quem pensa demais e fala demais sobre Deus é porque não o está respirando. A fala indica uma ausência. ‘Pensar em Deus é desobedecer a Deus. Porque Deus não quis que o conhecêssemos, por isso se não nos mostrou’ (Alberto Caeiro)”.
            Fez-se silêncio. Foi quando uma lufada de vento entrou pela tenda fazendo balançar a lâmpada de óleo que pendia o teto.
            “Deus é como o vento. Sentimos na pele quando ele passa, ouvimos a sua música nas folhas das árvores e o seu assobio nas gretas das portas. Mas não sabemos de onde vem nem para onde vai. Na flauta, o vento se transforma em melodia. Mas não é possível engarrafá-lo. No entanto, as religiões tentam engarrafá-lo em lugares fechados a que elas dão o nome de ‘casa de Deus’. Mas, se Deus mora numa casa, estará ele ausente do resto do mundo? Vento engarrafado não sopra...”
            Ouviu-se então o pio distante de uma coruja.
            “Deus é uma suspeita do nosso coração de que o universo tem um coração que pulsa como o nosso. Suspeita... Nenhuma certeza. Fujam dos que têm certezas. Olhem bem: eles trazem gaiolas nas suas mãos. Os pássaros que têm presos nas suas gaiolas são pássaros empalhados. Ídolos.
            Deus nos deu asas. Mas as religiões inventaram gaiolas.
            Tudo o que vive é pulsação do sagrado. As aves do céu, os lírios dos campos... Até o mais insignificante grilo, no seu cricri rítmico, é uma música do Grande Mistério.
            É preciso esquecer os nomes de Deus que as religiões inventaram para encontrá-lo sem nome no assombro da vida.
            Reverência pela vida: é a forma mais alta de oração. Sem nome... O nome de Deus não pode ser pronunciado...
            Não precisamos dizer o nome ‘rosa’ para sentir seu perfume.
            Não precisamos dizer o nome ‘mel’ para sentir sua doçura.
            Muitas pessoas que jamais pronunciam o nome de Deus o conhecem como reverência pela vida.
            Há pessoas que se sentem religiosas por acreditar em Deus. De que vale isso? Os demônios também acreditam e estremecem ao ouvir o seu nome (Tiago 2:19). A pergunta não deveria ser ‘Você acredita em Deus?’, mas ‘Você se comove com a beleza?’ Deus nunca foi visto por ninguém. Ele se mostra na experiência da beleza.
            Os homens religiosos procuram Deus no invisível e no mundo após a morte. Quando alguém morre, eles repetem como consolo: ‘Deus o levou para si’. Então, enquanto vivo, ele estava distante de Deus? Deus é Deus dos mortos ou Deus dos vivos? Deus não mora no mundo dos mortos. Ele mora no nosso mundo, passeia pelo jardim. Deus é beleza. E se ele ama o que é feio é só para torná-lo belo... Por isso ele ama os desertos: porque neles se escondem fontes...
            Quer ver Deus? Veja a beleza do sol que se põe, sem pensar em Deus.
            Quer ouvir Deus? Entregue-se à beleza da música, sem pensar em Deus.
            Quer sentir o cheiro de Deus? Respire fundo o cheiro do jasmim, sem pensar em Deus.
            Quer saber como é o coração de Deus? Empurre uma criança num balanço, porque Deus tem um coração de criança, sem pensar em Deus.
            Há beleza demais no universo. Mas o tempo vai nos roubando as coisas que amamos. Vai-se o arbusto, vai-se a montanha, vão-se os riachos cristalinos, vão-se as pessoas amadas, vamos nós... o tempo é um monstro que devora seus filhos. Fica a saudade. Saudade é a presença da ausência das coisas que amamos e nos foram roubadas pelo tempo. Quando se pronuncia o nome sagrado está-se afirmando que a beleza amada não está perdida no passado. Está escrito num poema sagrado: ‘Lança o teu pão sobre as águas porque depois de muitos dias o encontrarás...’ (Eclesiastes 11:1). As águas dos rios são circulares, o tempo é circular, o que foi perdido volta, um eterno retorno... Deus existe para nos curar da saudade...
            Eu gostaria de dar um conselho: ‘Não sejam curiosos a respeito de Deus, pois eu sou curioso sobre todas as coisas e não sou curioso a respeito de Deus. Não há palavra capaz de dizer quando eu me sinto em paz perante Deus e a morte. Escuto e vejo Deus em todos os objetos, embora de Deus eu não entenda nem um pouquinho... Eu vejo Deus em cada uma das 24 horas e em cada instante de cada uma delas, nos rostos dos homens e das mulheres eu vejo Deus...’ (Walt Whitman). ‘Sejamos simples e calmos como os regatos e as árvores e Deus amar-nos-á fazendo de nós belos como as árvores e os regatos, e dar-nos-á verdor na sua primavera e um rio aonde ir ter quando acabemos’. (Alberto Caeiro)”.
            Ouvidas essas palavras, a velhinha sorriu para o Mestre Benjamin e fez um gesto com sua mão, abençoando-o.

Rubem Alves. “Perguntaram-me se acredito em Deus. Capítulo VI.

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