FELIZ ANO NOVO!!!! QUE VENHA 2013!!!! DEPOIS DE MUITO TEMPO SEM POSTAR! NÃO PODIA DEIXAR DE DIZER NADA NO PRIMEIRO DIA DO ANO!!!
Deus e a beleza
Uma
velhinha de voz trêmula e pele cheia de rugas pediu: “Mestre, fale-nos sobre
Deus..”.
Mestre
Benjamin fez silêncio. Olhou para o vazio. Vagarosamente, um sorriso foi-se
abrindo.
“Quantas
pessoas aqui na minha tenda estão pensando no ar?”, ele perguntou. “Por favor,
levantem uma mão...”
Ninguém
levantou a mão.
“Ninguém
levantou a mão... Ninguém está pensando no ar. Ninguém nem sabe direito o que é
o ar. O ar é a nossa vida e não precisamos pensar nele e nem dizer o seu nome
para que ele nos dê vida. Mas o homem que se afoga do fundo das águas só pensa
no ar. Deus é assim. Não é preciso pensar nele e pronunciar o seu nome. Ao
contrário, quando se pensa Nele o tempo todo é porque está se afogando...
Que
desejamos para os nossos filhos? Que eles sejam felizes. Sorrimos ao vê-los por
aí a correr, a pular, a cantar, a brincar, pensando nas coisas de criança. Mas
enquanto brincam e riem eles não pensam em nós. Se um filho, ao se levantar,
viesse até você e o elogiasse, e agradecesse porque você lhe deu a vida e
jurasse amor para sempre, e fizesse a mesma coisa na hora do almoço, e
repetisse os mesmos gestos e palavras ao meio da tarde, e de noite fizesse tudo
de novo, suspeitaríamos de que alguma coisa não está bem. O que desejamos é que
eles gozem a vida sem pensar em nós. Quem pensa demais e fala demais sobre Deus
é porque não o está respirando. A fala indica uma ausência. ‘Pensar em Deus é desobedecer a Deus. Porque
Deus não quis que o conhecêssemos, por isso se não nos mostrou’ (Alberto
Caeiro)”.
Fez-se silêncio. Foi quando uma lufada
de vento entrou pela tenda fazendo balançar a lâmpada de óleo que pendia o
teto.
“Deus
é como o vento. Sentimos na pele quando ele passa, ouvimos a sua música nas
folhas das árvores e o seu assobio nas gretas das portas. Mas não sabemos de
onde vem nem para onde vai. Na flauta, o vento se transforma em melodia. Mas
não é possível engarrafá-lo. No entanto, as religiões tentam engarrafá-lo em
lugares fechados a que elas dão o nome de ‘casa de Deus’. Mas, se Deus mora
numa casa, estará ele ausente do resto do mundo? Vento engarrafado não
sopra...”
Ouviu-se
então o pio distante de uma coruja.
“Deus
é uma suspeita do nosso coração de que o universo tem um coração que pulsa como
o nosso. Suspeita... Nenhuma certeza. Fujam dos que têm certezas. Olhem bem:
eles trazem gaiolas nas suas mãos. Os pássaros que têm presos nas suas gaiolas
são pássaros empalhados. Ídolos.
Deus
nos deu asas. Mas as religiões inventaram gaiolas.
Tudo
o que vive é pulsação do sagrado. As aves do céu, os lírios dos campos... Até o
mais insignificante grilo, no seu cricri rítmico, é uma música do Grande
Mistério.
É
preciso esquecer os nomes de Deus que as religiões inventaram para encontrá-lo
sem nome no assombro da vida.
Reverência
pela vida: é a forma mais alta de oração. Sem nome... O nome de Deus não pode
ser pronunciado...
Não
precisamos dizer o nome ‘rosa’ para sentir seu perfume.
Não
precisamos dizer o nome ‘mel’ para sentir sua doçura.
Muitas
pessoas que jamais pronunciam o nome de Deus o conhecem como reverência pela
vida.
Há
pessoas que se sentem religiosas por acreditar em Deus. De que vale isso? Os
demônios também acreditam e estremecem ao ouvir o seu nome (Tiago 2:19). A
pergunta não deveria ser ‘Você acredita em Deus?’, mas ‘Você se comove com a
beleza?’ Deus nunca foi visto por ninguém. Ele se mostra na experiência da
beleza.
Os
homens religiosos procuram Deus no invisível e no mundo após a morte. Quando
alguém morre, eles repetem como consolo: ‘Deus o levou para si’. Então,
enquanto vivo, ele estava distante de Deus? Deus é Deus dos mortos ou Deus dos
vivos? Deus não mora no mundo dos mortos. Ele mora no nosso mundo, passeia pelo
jardim. Deus é beleza. E se ele ama o que é feio é só para torná-lo belo... Por
isso ele ama os desertos: porque neles se escondem fontes...
Quer
ver Deus? Veja a beleza do sol que se põe, sem pensar em Deus.
Quer ouvir Deus?
Entregue-se à beleza da música, sem pensar em Deus.
Quer
sentir o cheiro de Deus? Respire fundo o cheiro do jasmim, sem pensar em Deus.
Quer
saber como é o coração de Deus? Empurre uma criança num balanço, porque Deus
tem um coração de criança, sem pensar em Deus.
Há
beleza demais no universo. Mas o tempo vai nos roubando as coisas que amamos.
Vai-se o arbusto, vai-se a montanha, vão-se os riachos cristalinos, vão-se as
pessoas amadas, vamos nós... o tempo é um monstro que devora seus filhos. Fica
a saudade. Saudade é a presença da ausência das coisas que amamos e nos foram
roubadas pelo tempo. Quando se pronuncia o nome sagrado está-se afirmando que a
beleza amada não está perdida no passado. Está escrito num poema sagrado: ‘Lança o teu pão sobre as águas porque depois
de muitos dias o encontrarás...’ (Eclesiastes 11:1). As águas dos rios são
circulares, o tempo é circular, o que foi perdido volta, um eterno retorno...
Deus existe para nos curar da saudade...
Eu
gostaria de dar um conselho: ‘Não sejam
curiosos a respeito de Deus, pois eu sou curioso sobre todas as coisas e não
sou curioso a respeito de Deus. Não há palavra capaz de dizer quando eu me
sinto em paz perante Deus e a morte. Escuto e vejo Deus em todos os objetos, embora
de Deus eu não entenda nem um pouquinho... Eu vejo Deus em cada uma das 24
horas e em cada instante de cada uma delas, nos rostos dos homens e das
mulheres eu vejo Deus...’ (Walt Whitman). ‘Sejamos simples e calmos como os
regatos e as árvores e Deus amar-nos-á fazendo de nós belos como as árvores e
os regatos, e dar-nos-á verdor na sua primavera e um rio aonde ir ter quando
acabemos’. (Alberto Caeiro)”.
Ouvidas essas palavras, a velhinha
sorriu para o Mestre Benjamin e fez um gesto com sua mão, abençoando-o.
Rubem
Alves. “Perguntaram-me se acredito em Deus. Capítulo VI.
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