Dirijo-me a V. Revma, a fim de solicitar esclarecimento sobre um problema tecnológico. Recebi um e-mail de uma mulher que desconheço. Ela o enviou após ter lido um artigo meu sobre o batizado da minha neta Mariana, do qual o celebrante não autorizado fui eu. Disse-me que tem um filhinho e é seu desejo batiza-lo. Mas o sacerdote lhe nega o batismo, sob a alegação de que ela e o pai da criança não são casados na Igreja. A criança, assim, está com a alma em perigo por um pecado que não cometeu.
Sempre pensei que, segundo a teologia da Igreja, o fato de uma mulher ficar grávida, casada ou não casada, é sinal de que Deus deseja a dita gravidez. Pois, se ele não a desejasse, a gravidez não aconteceria. É somente isso que explica a interdição do aborto em qualquer situação, inclusive nos casos em que o feto não tem cérebro. O senhor haverá de convir comigo que existiria uma contradição na mente divina se Deus aprovasse a gravidez e, ao mesmo tempo, ordenasse à instituição que o representa que lhe negasse o batismo.
Imaginemos uma mulher e seu companheiro. Eles muito se amam, mas não são casados na Igreja. Muito embora os textos sagrados digam que Deus é amor, e o apóstolo Paulo tenha dito que o amor é a maior de todas as virtudes, o fato é num estado pecaminoso de concubinato. Ouvi de um padre, numa homilia de casamento, a seguinte afirmação: “Não é o vosso amor que faz o casamento. É o contrato...”. Os companheiros que se amam sem contrato, assim, estão em pecado e impedidos de batizar seu filhinho. Mas aí o pai da criança morre. Agora, graças à morte do marido, a mulher não mais se encontra numa relação pecaminosa. A criança pode então ser batizada. Se o companheiro da mulher que me enviou a carta morrer, o filho dela poderá ser batizado?
De todos os santos, o de minha devoção mais forte é o santo Expedito. Ele tem a palavra “hoje” escrita em sua cruz. Santo Expedito não deia para amanhã. O milagre acontece no mesmo dia. Pois contou-me uma piedosa senhora sobre um milagre de santo Expedito. Uma amiga sua sofria muito nas mãos de um marido cruel. Ela orou a santo Expedito e seu pedido foi atendido no mesmo dia. Perguntei:
- Sofreu um acidente e morreu?
- Não. Ela respondeu. – Ele se enforcou...
Trata-se do primeiro suicídio milagroso de que há registro. Pergunto: seria adequado à mulher que me escreveu apelar para santo Expedito? Quem é que o santo mataria? O marido ou o padre? Se ele me pedisse conselho, eu diria: “mate o padre...”.
Por favor, senhor bispo, instrua pastoralmente seus padres, informando-os de que todas as crianças vão pra o céu, mesmo sem batismo, não importando que seus pais sejam católicos, protestantes, hinduístas, espíritas, umbandistas, do candomblé, budistas, xintoístas, judeus, maometanos, ateus e quantas religiões haja. Dominus vosbicum.
Fraternalmente, Rubem Alves.
TEXTO RETIRADO DO LIVRO: "O DEUS QUE CONHEÇO", RUBEM ALVES, PAGINA 92.
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