Mosaicos são obras de arte. São feitos com cacos. Os cacos, em si, não têm beleza alguma. Mas se um artista os ajuntar segundo uma visão de beleza eles se transformam uma obra de arte.
Músicas são mosaicos de sons. Notas são os cacos. Não são nem bonitas nem feias. Mas se um compositor as organizar numa “frase” elas passam a dizer algo. Transformam-se em temas. Sonatas e sinfonias são feitas com temas entrelaçados.
Também nós somos feitos de cacos. Milan Kundera comparou a vida a uma partitura musical. “O ser humano, guiado pelo sentido da beleza, transpõe o acontecimento fortuito [o caco] para fazer dele um tema que, em seguida, fará parte da partitura da sua vida. Voltará ao tema repetindo-o, como faz um compositor com os temas da sua sonata”. (A insustentável leveza do ser, p. 58). Somos um mosaico espiral, à semelhança do Bolero de Ravel.
As Escrituras Sagradas são um livro cheio de cacos. Nelas se encontram poemas, estórias, mitos, pitadas de sabedoria, relatos de acontecimentos, poemas eróticos, eventos sangrentos. Ao ler as Escrituras comportamo-nos como um artista que seleciona cacos para construir um mosaico ou como um compositor a compor sua sonata.
Os cacos das Escrituras Sagradas existiram por muito tempo como estórias que eram contadas oralmente, antes de serem transformados em textos para serem lidos. O registro escrito dessa tradição oral trouxe uma vantagem: as estórias continuaram a existir mesmo depois da morte do contador de estórias. E trouxe uma desvantagem: transformados em textos escritos perdeu-se a figura do contador de estórias. Com isso, os leitores começaram a ler as “estórias” como se fossem “história”.
“História” refere-se a coisas que aconteceram realmente no passado e nunca mais acontecerão, como o naufrágio do Titanic, que pertence à “história” e nunca mais acontecerá. Mas a parábola do Bom Samaritano nunca aconteceu. Foi uma “estória” contada por um mestre contador de estórias chamado Jesus.
As estórias são contadas no passado, mas elas não têm passado. Só têm presente. Estão sempre vivas. Quando as ouvimos ficamos “possuídos”, rimos, choramos, odiamos – embora elas nunca tenham acontecido.
A “história” é criatura do tempo. As “estórias”’ são emissárias da eternidade.
Muitos são os mosaicos que podem ser feitos com um monte de cacos. Muitas são as músicas que podem ser feitas com as doze notas da escala cromática. Horror, humor, amor, vida, morte, vingança... Tudo depende do coração do artista. Como disse Jesus, o homem bom tira coisas boas do seu bom tesouro; o homem mau tira coisas más do seu mau tesouro. Coração feio faz coisas mosaicos e músicas feias. Coração bonito faz mosaicos e músicas bonitas. Os mosaicos e as sonatas são o retrato de quem o fez.
Cada religião é um mosaico, um jeito de ajuntar os cacos. Cada religião é uma sonata uma rede de temas.
“No Princípio, antes que qualquer coisa existisse,
Antes que houvesse o Universo,
O que havia era a Poesia.
Deus era Poesia.
A Poesia era Deus.
Deus e a Poesia eram a mesma coisa.
E Deus Criou as estrelas para, com elas,
Escrever seus poemas nos Céus...”
(Prólogo do Evangelho de João, Paráfrase)
TEXTO RETIRADO DO LIVRO: PERGUNTARAM-ME SE ACREDITO EM DEUS. RUBEM ALVES
POESIA DA NOITE...
“Alguns guardam o Domingo indo à Igreja –
Eu o guardo ficando em casa –
Tendo um sabiá como cantor –
E um Pomar por Santuário. –
Alguns guardam o Domingo em vestes brancas –
Mas eu só uso minhas Asas –
E ao invés do repicar dos sinos na Igreja –
Nosso pássaro canta na palmeira –
É Deus que está pregando, pregador admirável –
E o seu sermão é sempre curto.
Assim, ao invés de chegar ao Céu, só no final –
Eu o encontro o tempo todo no quintal”
TEXTO RETIRADO DO LIVRO: PERGUNTARAM-ME SE ACREDITO EM DEUS. RUBEM ALVES. PAG 27.
Boa Noite a Todos. E, ao invés de ir a Igreja encontrar Jesus apenas aos domingos, encontrem todos os dias com Ele.. o Céu está em você!
Boa Noite
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