domingo, 11 de março de 2012

Chapeuzinho Vermelho



Chapeuzinho Vermelho

Era uma vez uma jovem adolescente a quem todos conheciam pelo apelido de Rúbia. Rúbia é uma palavra derivada do latim, rubeus, que quer dizer vermelho, ruivo. Rúbia era ruiva. Ruiva porque tingira seu cabelo castanho que ela considerava vulgar. Ela pensava que uma ruiva teria mais chances de chamar a atenção de um empresário de modelos que uma morena. Morenas há muitas. O vermelho de seus cabelos era confirmado pelo seu temperamento: ela era fogo e enrubescia quando ficava brava. [Nota: se, nesta estória, eu lhe desse o nome de Chapeuzinho Vermelho, ninguém acreditaria. As adolescentes de hoje não andam por aí usando chapeuzinhos vermelhos...]
Rúbia morava com sua mãe numa linda mansão no Condomínio Omegaville. Pois, numa noite, por volta das 10 horas, sua mãe lhe disse: “Rubinha querida, quero que você me faça um favor...”.  Rúbia pensou: “Lá vem a mãe de novo...”. E gritou: “De jeito nenhum. Estou vendo televisão...”. “Mas eu ia até deixar você dirigir meu BMW...”, disse a mãe. Rúbia se levantou de  um pulo. Para guiar o BMW ela era capaz de fazer qualquer coisa. “Que é que você quer que eu faça, mamãezinha querida?”, ela disse. “Quero que você vá levar uma cesta básica para sua vovozinha, lá na Rocinha”. Você sabe: andar de BMW, depois das 10 da noite, na Rocinha é perigoso. Os sequestradores estão à espreita...
Rúbia já estava sando da garagem com o BMW quando sua mãe lhe gritou: “A cesta básica! Você está se esquecendo da  cesta básica!”. Com a cesta básica no BMW, Rúbia foi para a casa da vovozinha, na Rocinha. Foi quando o inesperado aconteceu. Um pneu furou. Até mesmo pneus de BMWs furam. Rúbia se sentiu perdida. Com medo, não. Ela não tinha medo. O problema era sujar as mãos para trocar o pneu. Foi quando um Mercedes se aproximou, dirigido por um senhor elegante que usava óculos escuros. Há pessoas que usam óculos escuros mesmo de noite. O Mercedes parou e o homem de óculos escuros saiu. “Precisando de ajuda, boneca?”, ele perguntou. “Claro”, ela respondeu. “Preciso que me ajudem a trocar o pneu furado”. “Pois vou ajudar você”, disse o homem. “Você precisa de proteção. Este lugar é muito perigoso. A propósito, deixe que me apresente. Meu nome é Crescêncio Lobo, as suas ordens”. Aí ele se pôs a trocar o pneu, cantarolando baixinho uma canção que sua mãe lhe cantara: “Hoje estou contente, vai haver festança, tenho um bom petisco para encher a minha pança...”.
Rúbia, olhando para Crescêncio Lobo, pensou: “Que homem gentil e prestativo! E ainda canta enquanto trabalha.. . É dono de um Mercedes! Acho que minhas orações foram atendidas!”. “Pronto”, ele disse. “Para onde você está indo, boneca?”. “Vou levar uma cesta básica para minha avó”. “Pois eu vou segui-la para protegê-la...”. E assim, Rúbia, sorridente e sonhadora, se dirigiu para a casa da sua avó, escoltada por Crescêncio Lobo.
Ao chegar à casa da avó, Crescêncio Lobo se surpreendeu. Pensou que ia encontrar uma velhinha, parecida com a avó de Chapeuzinho vermelho. Que nada! Era uma linda mulher, uma senhora elegante, fina, de voz suave, inteligente. Logo os dois estavam envolvidos numa animada conversa: Crescêncio Lobo encantado com o suave charme e a inteligência da avó, a avó encantada com o encantamento que Crescêncio Lobo sentia por ela. Crescêncio Lobo pensou: “Se não fossem essas rugas, ela seria uma linda mulher...”. Rúbia percebeu o que estava rolando, e foi ficando com raiva, vermelha, até que teve um ataque histérico. Como admitir que Crescêncio Lobo preferisse uma velha a uma adolescente? Começou a gritar e, por mais que os dois se esforçassem, não conseguiam acalmá-la. Passava por ali, acidentalmente, uma viatura do 5º Distrito Policial. Os policiais, ouvindo a gritaria, imaginaram que um crime estava acontecendo. Pararam a viatura e entraram na casa. E o que encontraram foi aquela cena ridícula: uma adolescente ruiva, desgrenhada gritando como louca, enquanto a avó e Crescêncio Lobo tentavam acalmá-la. Os policiais perceberam loggo que se tratava de uma emergência psiquiátrica e, com a maior delicadeza (os policias do 5º DP são sempre assim. Também, pudera... O delegado-chefe trabalha ouvindo música clássica!) convenceram Rúbia a acompanhá-los até um hospital para ser medicada. Rúbia não resistiu porque ela já estava encantada com a força e o charme do policial que a tomava pela Mao. Afinal, aquele policial era lindo e forte!
Quanto a avó e Crescêncio Lobo, aquela noite foi o início de uma relação amorosa maravilhosa. Crescêncio Lobo percebeu que não há cara de adolescente cabeça de vento que se compare ao estilo de uma senhora inteligente e experiente. E a avó, que ouvira uma feminista canadense que o melhor remédio para velhice são os galetos ao primo canto, entregou-se gulosamente a esse hábito gaucho.  Crescêncio Lobo pagou-lhe uma plástica geral e a avó ficou novinha. E viveram muito felizes, por muitos anos. Quanto a Rúbia, aquela crise foi o início de uma feliz relação com o policial do 5º DP, que tinha mestrado em psicologia da adolescência...

TEXTO RETIRADO DO LIVRO: QUER QUE LHE CONTE UMA ESTÓRIA? RUBEM ALVES

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