domingo, 27 de fevereiro de 2011

Os 3 nomes de Deus???




Para minha amiga Fernanda Valadares, com carinho:


" De vez em quando perguntam-me se acredito em Deus. Mas é claro. Acredito mais que a maioria das pessoas. Tenho até 33 nomes para ele. Esses nomes foi a Marguerite Yourcenar que me contou. Foi ela que escreveu o livro 'Memórias de Adriano', quem lê nunca mais esquece, quer ler de novo. Pois esses são os 33 nomes de Deus que ela me ensinou. É só falar o nome, ver na imaginação o que o nome diz, para que a alma se encha de uma alegria que só pode ser um pedaço de Deus... Mas é preciso ler bem devagarinho... Os 33 nomes de Deus:


  1. O mar da manhã
  2. O barulho da fonte nos rochedos sobre as paredes de pedra.
  3. O vento do mar de noite, numa ilha...
  4. Uma abelha.
  5. O vôo triangular dos cisnes.
  6. Um cordeirinho recém-nascido
  7. O mugido doce da vaca e o mugido selvagem do touro.
  8. O mugido paciente do boi.
  9. O fogo vermelho no fogão
  10. O capim
  11. O perfume do capim
  12. Um passarinho no céu
  13. A terra boa
  14. A garça que esperou toda a noite, meio gelada, e que vai matar sua fome ao nascer do sol
  15. O peixinho que agoniza no papo da garça
  16. A mão que entra em contato com as coisas
  17. A pele
  18. Toda a superfície do corpo
  19. O olhar e tudo o que ele olha
  20. As nove portas da percepção
  21. O torso humano
  22. O som de uma viola e de uma flauta indígina
  23. Um gole de uma bebida fria ou quente
  24. Pão
  25. As flores que saem da terra na primavera
  26. O sono na cama
  27. Um cego que canta 
  28. e uma criança enferma
  29. Um cavalo correndo livre
  30. A cadela e os cãezinhos
  31. O sol nascente sobre um lago gelado
  32. Um relâmpago silencioso
  33. O trovão que estronda e o silêncio entre amigos
Não é preciso que esses 33 nomes sejam os seus. Faça sua própria lista. Eu incluiria: A sonata Appassionata de Beethoven, sapos coaxando no charco. O canto do sabiá. Banho de cachoeira. A tela Mulher lendo uma carta, de Vermeer. O sorriso de uma criança. O sorriso de um velho. Balançar num balanço tocando com o pé as folhas da árvore.. Morder uma jabuticaba... Todas essas coisas são pedaços de Deus que conheço... Sim, acredito muito em Deus..."

RUBEM ALVES - LIVRO OSTRA FELIZ NÃO FAZ PÉROLA - PAG 201.


Eu ainda acrescentaria os meus nomes, como:

A melodia de um piano bem velho... O cheiro da casa da minha vó.... A saudade que sinto das pessoas que amo... Minha tristeza em aprender algumas coisas de um jeito mais difícil e minha alegria em ter aprendido. A habilidade de se reerguer quando se está no chão. A facilidade com que chora uma criança. A transparência de uma criança. A vontade de correr para alguém que está em uma cadeira de rodas. O som das coisas e o som do silêncio. A dor que aperta o peito... um abraço apertado. A vontade de continuar sempre vivo por dentro!

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Sobre o Perdão...



Sobre o Perdão...

"Não sei se se deve perdoar sempre. Como perdoar o torturador? Como perdoar o adulto que espanca uma criança? Como perdoar a Inquisição, os campos de concentração, a bomba atômica, os homens públicos que se enriquecem à custa do dinheiro do povo que sofre e morre? Quem perdoa tudo é porque não se importa com nada".

Rubem Alves - Ostra Feliz não faz Pérola, Pág 200.



" Ostras são moluscos, animais sem esqueleto, macias, que representam as delícias dos gastrônomos. Podem ser comidas cruas, com pingos de limão, com arroz, paellas, sopas. Sem defesas - são animais mansos -, seriam uma presa fácil dos predadores. Para que isso não acontecesse, a sua sabedoria as ensinou a fazer casas, conchas duras, dentro das quais vivem. Pois havia num fundo de mar uma colônia de ostras felizes porque de dentro de suas conchas saía uma delicada melodia, música aquática, como se fosse um canto gregoriano, todas cantando a mesma música. com uma exceção: de uma ostra solitária que fazia um solo solitário. Diferente da alegre música aquática, ela cantava um canto muito triste. As ostras felizes se riam dela e diziam: "Ela não sai da sua depressão..." Não era depressão. Era dor. Pois um grão de areia havia entrado dentro da sua carne e doía, doía, doía. E ela não tinha jeito de se livrar dele, do grão de areia. Mas era possível livrar-se da dor. O seu corpo sabia que, para se livrar da dor que o grão de areia lhe provocava, em virtude de suas aspereza, arestas e pontas, bastava envolvê-lo com uma substância lisa, brilhante e redonda. Assim, enquanto cantava seu canto triste, o seu corpo fazia o trabalho - por causa da dor que o grão de areia lhe causava. Um dia, passou por ali um pescador com o seu barco. Lançou a rede e toda a colônia de ostras, inclusive a sofredora, foi pescada. O pescador se alegrou, levou-as para casa e sua mulher fez uma deliciosa sopa de ostras. Deliciando-se com as ostras, de repente seus dentes bateram num objeto duro que estava dentro da ostra. Ele o tomou nos dedos e sorriu de felicidade: era uma pérola, uma linda pérla. Apenas a ostra sofredora fizera uma pérola. Ele a tomou e deu-a de presente para sua esposa.
      Isso é verdade para as ostras. E é verdade para os seres humanos. No seu ensaio sobre O nascimento da tragédia grega a partir do espírito da música, Nietzsche observou que os gregos, por oposição aos cristãos, levavam a tragédia a sério. Tragédia era tragédia. Não existia para eles, como existia para os cristãos, um céu onde a tragédia seria transformada em comédia. Ele se perguntou então das razões por que os gregos, sendo dominados por esse sentimento trágico da vida, não sucumbiram ao pessimismo. A resposta que encontrou foi a mesma da ostra que faz uma pérola: eles não se entregaram ao pessimismo porque foram capazes de transformar a tragédia em beleza. A beleza não elimina a tragédia, mas a torna suportável. A felicidade é um dom que deve ser simplesmente gozado. Ela se basta. Mas ela não cria. Não produz pérolas. São os que sofrem que produzem a beleza, para parar de sofrer. Esses são os artistas. Beethoven - como é possível que um homem completamente surdo, no fim da vida, tenha produzido uma obra que canta a alegria? Van Gogh, Cecília Meireles, Fernando Pessoa..."

Rubem Alves, Ostra Feliz não faz pérola - pág 11.


A gente tem a mania de dizer que perdoamos um mal que a pessoa nos fez, uma mágoa que nos fizeram. As vezes temos que perdoar a nós mesmos, porque no fim, temos raiva e culpamos a nós mesmos. Sempre fui cristã e, por isso a eterna mania de achar que tudo vai ser lindo no fim e por isso aceitar o presente, as tristezas, as dores... Hoje sei que o melhor a se fazer é transforma-las em beleza. É aprender com as feridas e aceitar as cicatrizes. Não tem como a gente machucar o joelho numa queda forte, dar ponto e sair sem uma cicatriz. Ela fica lá pra lembrar o que não fazer pra cair daquele jeito de novo, mesmo sabendo da probabilidade de que isso aconteça novamente. Hoje eu sei que as vezes é bom cair, é bom produzir pérolas, a felicidade se basta mas não produz nada, não ensina nada.
Se me perguntarem como estou depois de uns bons tombos e quedas eu digo a você que estou terminando de fazer meu colar de pérolas...

Beijos..

Isabella


Ps: Passei na segunda etapa da bituca... E la vou eu com minhas pérolas...

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Borboletas


" Blake dizia que a árvore que o tolo vê não é a mesma árvore que o sábio vê. Pois eu digo que o caminho pelo qual anda a mãe não é o mesmo caminho pelo qual anda a criança. Os olhos da criança vão como borboletas, pulando de coisa em coisa, para cima, para baixo, para os lados, tudo é espantoso, tudo é divertido. Pena que a mãe não veja nada do que a criança vê porque seus olhos desaprenderam a arte de ver como quem brinca, ela tem muita pressa, é preciso chegar; há coisas urgentes a fazer..."

Rubem Alves


      Há o ditado que a pressa é inimiga da perfeição. Pois eu acho que é verdade. A minha ânsia de acertar sempre me fez tropeçar quase todas as vezes. A gente acaba tendo mania de pensar no futuro. Trabalhar pro futuro. viver o presente com a cabeça no futuro. E esquece de parar para observar as coisas passando. E, por aí.. a vida vai passando, e a gente acaba reclamando do futuro porque não viveu o presente. Tá na hora de parar pra ver as borboletas.. pra respirar um pouco. Viver mais, e ser feliz.. A gente fica procurando um significado pra felicidade, mas vamos falar a verdade, nem sabemos o que é a verdade né? há coisas urgentes a fazer, mas que precisam esperar, precisamos esperar. E curtir a vida junto da vida, pegar o trem e olhar a paisagem, curtir a viagem até chegar ao destino. Tá aí.. a felicidade são nossos momentos, ela é feita de momentos e nós? somos com certeza feitos de cada momento!
Você viu? passou uma borboleta!

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Do ninho do Guaxo



      Sonho é uma coisa que não existe no mundo de fora, mas existe no mundo de dentro. Existe no mundo de dentro provisoriamente, porque os sonhos são como crianças: querem nascer.
      Acho que os bichos sonham. Olho para um árvore. Não vejo nada de extraordinário. Passado um mês, passo novamente pela mesma árvore. Lá está um objeto fantástico, um ninho de guaxo. O ninho de guaxo tem forma de jaca. É tecido em volta de um ramo pendente com pequenos galhos entrelaçados. Pergunto-me: Como foi que o guaxo aprendeu a construir aquela obra de arte? Quem lhe ensinou? Respondo: O guaxo construiu o ninho do lado de fora porque ele já existia virtualmente do lado de dentro. Aquele ninho era seu sonho.
      O guaxo sonhou seu ninho no tempo presente. Mas o presente de todo sonho tem, dentro de si, um futuro. Esse futuro se chama esperança. O guaxo trabalhava "na esperança". Ele não sabia diss com a cabeça. Mas seu corpo sabia. Há muitas coisas que o corpo sabe e a cabeça não.
      Reescrevo o primeiro verso do Evangelho de João: "No princípio era o sonho". Antes que Deus criasse o paraíso, ele (ou ela, não sei bem...) sonhou com um paraíso.
      Tudo começa nos sonhos. Sonho uma viagem à Patagônia. Aí minha cabeça começa a pensar: O que fazer para ir até a Patagônia? Sonho em construir uma casa. Aí minha cabeça pensa: Que tenho de fazer para construir uma casa? É o sonho que faz pensar. Sem sonho não há pensamento.
      Pensamos porque desejamos realizar o sonho. Informado pela inteligência sobre o que fazer para realizar o sonho, o corpo trabalha. "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce". Assim disse Fernando Pessoa.
      Para isto existem as escolas - Para fazer sonhar e fazer pensar. Do sonho e do pensamento surge a obra. No caso do guaxo, o sonho a ser tornado realidade era o ninho. No caso do Criador, o sonho a ser tornado realidade era um jardim. O guaxo e o Criador procedem da mesma forma.
      Imaginem agora que o guaxo foi à escola para aprender arte. E que lá tivesse aprendido a selecionar e a cortar os galhos, bem como a trançá-los, tendo sempre tirado as maiores notas nas avaliações. Só que ninguém lhe falou sobre o ninho. Ninguém lhe disse que aquelas artes serviam apenas para realizar um sonho. Pobre guaxo. Nunca sonhou um ninho. Passou o resto da vida cortando galhinhos e entrelaçando-os. Mas galhos solitários não fazem ninhos.
      Nas várias disciplinas que se ensinam nas escolas, as crianças aprender a cortar galhos de vários tipos e, eventualmente, a tecê-los segundo padrões transversais. Mas eu gostaria de saber quando é que elas aprender a sonhar. Na verdade, nem é preciso aprender. Toda criança está cheia de sonhos. A realização dos sonhos requer uma coisa apenas: coragem. Onde estão os sonhos nas grades curriculares?
      Queria sugerir a vocês, professores, que no seu mister de ensinar a arte dos galhinhos, se perguntassem: "Qual é o sonho?" Os primeiros sonhos são os individuais. Depois eles viram sonhos grandes. Como na música "A banda", do Chico Buarque. No início, cada um sonhava seu sonho pequeno. Mas, quando a banda passou, as pessoas se esqueceram de seus sonhos pequenos e começaram a sonhar juntas um único sonho grande.
      É assim, pelo poder do grande sonho, que os gravetinhos esparramados podem se jutnar para construir um país. Afinal de contas, o país é o nosso ninho de guaxo.

Rubem Alves
Livro A Pedagogia dos Caracóis, pág 52.


terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Sobre Música Clássica e Coca-Cola



Um Ipê Florido... Nasceu de uma semente. Crescido, não será necessária nenhuma Técnica, nenhum estímulo para que floresça. Angelus Sitisius, místico antigo, tem um verso que diz: "A rosa não tem porquês. Ela floresce porque floresce". O Ipê floresce porque floresce. Seu florescer é um transbordar natural da sua verdade. A solidariedade é como o ipê: nasce e floresce. Não em decorrência de imperativos éticos e religiosos. Não é possível ordenar: "Seja solidário!" A solidariedade acontece com um simples transbordamento. As fontes transbordam. O poema é um transbordamento da alma do poeta. Vão aqui esses transbordamentos, minhas sementes...

Rubem Alves



Para minha amiga Juliana Calijorne, com carinho..

Sobre Música Clássica e a Coca-Cola

          Fernando Pessoa teve a missão de escrever o primeiro slogan de propaganda para a Coca-Cola em Portugal, imagino que lá pelos anos trinta. Ele bebeu uma vez, não gostou. Bebeu outra vez, não gostou. Bebeu uma terceira vez e gostou. Veio-lhe então a idéia: "A princípio, estranha-se; depois entranha-se". Absolutamente genial" A primeira vez que bebi Coca-Cola, eu disse: "Tem gosto de verniz". Como todos os meus colegas bebiam Coca-Cola e gostavam, pra não ser diferente, bebi de novo. E bebi de novo. Até que gostei. Agora é automático, quando chego ao restaurante Bem-Bom, vou logo pedindo: "Uma Coca com gelo e limão". Como é gostoso... Aí mandei um e-mail para o Artur da Távola, que apresenta aquele maravilhoso programa "Quem tem medo de música clássica?", dizendo que o gosto pela música clássica era igual ao gosto pela Coca-Cola: "A princípio, estranha-se; depois, entranha-se". Quem vence o período da estranheza chega inevitavelmente à fase da entranheza. Aí, então, é prazer para o resto da vida. Se você ainda está na fase da "estranheza", vai esta sugestão: prove, com paciência. Para começar, ouça o poema sinfônico de Grieg, Peer Gynt: linda música, linda estória...
         Só para que você fique com água na boca, adianto que essa é uma peça teatral publicada em novembro de 1867, Copenhague, capital da Dinamarca, escrita pelo dramaturgo noruegues Henrik Ibsen. Ela conta as aventuras e desgraças do Jovem Peer Gynt. O compositor Grieg a musicou na forma de um poema sinfônico com melodias muito bonitas.

Rubem Alves
Livro: Pensamentos que penso quando não estou pensando. Página 09.




quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Eu e Mário Quintana







Sentir primeiro, pensar depois
Perdoar primeiro, julgar depois
Amar primeiro, educar depois
Esquecer primeiro, aprender depois

Libertar primeiro, ensinar depois
Alimentar primeiro, cantar depois

Possuir primeiro, contemplar depois
Agir primeiro, julgar depois

Navegar primeiro, aportar depois
Viver primeiro, morrer depois
Mário Quintana


Minha continuação para Mário Quintana..
Chorar primeiro, sorrir depoisCair primeiro, levantar depoisAndar primeiro, cansar depoisPular primeiro, saber onde caiu depois
abraçar primeiro, escolher depoiscorrer primeiro, refrescar depoisprovar primeiro, rejeitar depois
apostar primeiro, ganhar ou perder depoiserrar primeiro, aprender depoisrespirar primeiro, gritar depoissonhar primeiro, pés no chão depois
viver primeiro, morrer? muito.. mas muito depois...

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Um copo de água e sal, por favor...




O velho mestre pediu a um jovem triste que colocasse uma mão cheia de sal em um copo d'água e bebesse.
"Qual é o gosto?", perguntou o Mestre.
"Ruim", disse o aprendiz.
O mestre sorriu e pediu ao jovem que pegasse outra mão cheia de sal e levasse a um lago. Os dois caminharam em silêncio e o jovem jogou o sal no lago, então o velho disse:
"Beba um pouco dessa água".
Enquanto a água escorria do queixo do jovem, o mestre perguntou:
"Qual é o gosto?"
"Bom!" disse o rapaz.
"Você sente gosto do sal?", perguntou o mestre.
"Não", disse o jovem.
O mestre então sentou ao lado do jovem, pegou sua mão e disse:
"A dor na vida de uma pessoa não muda. Mas o sabor da dor depende do lugar onde a colocamos. Então quando você sentir dor, a única coisa que você deve fazer é aumentar o sentido das coisas. Deixe de ser um copo. Torne-se um lago".


‎"É assim que se faz, se aprende a voar, partindo...
É assim que se cresce, abre as asas, tropeça, sorrindo..."
(música "Passarinho" - Isabella Lage)