Quando pequenos, meu irmão e eu éramos vadios e
preguiçosos. Todo pretexto nos servia para faltarmos com nossos deveres,
cabular as aulas e ficar vagabundeando pelos pomares, campos ou quarteirões da
cidade onde vivíamos.
Evidentemente nossos pais se aborreciam com aquilo,
mas, em lugar de nos castigar ou partir para uma agressão física, esperavam o
momento certo para nos advertir mais seriamente, sem saírem do tratamento
amorável e paciente que nos dispensavam.
Esse momento chegou quando, em certo dia, depois do
almoço, nos preparávamos para mais uma vadiagem. Nossa mãe não se dirigiu a
mim, mas a meu irmão. Desconfiado e expectante, fiquei a esperar pelo que se ia
dar. Em seu tom de voz habitual e como que ocasionalmente, ela disse:
- Meu filho, será que você me poderia fazer um
favor?
- Pois não, mamãe!
Eu percebia que meu irmão também não estava seguro
do que se ia dar. Mamãe prosseguiu:
- Eu gostaria que você fosse até aquele terreno
baldio e viesse me contar o que existe ali.
O terreno ficava quase enfrente à nossa casa e nós
o conhecíamos muito bem, pois servia aos nossos constantes lazeres. Entretanto,
mesmo assim ele atendeu e poucos minutos depois voltava.
- Mamãe, ali só existe lixo e porcaria. Metais
enferrujados, papéis, vidros quebrados, arames, garrafas. Nada que se
aproveite.
Como se não tivesse ouvido a última observação,
mamãe perguntou:
- Mas não haverá uma serventia para aquelas coisas?
- Ah mamãe, está claro que não!
Voltando-se para mim ela pediu:
- Agora você, meu filho. Vá até o portão do jardim
e venha me contar o que existe nos outros terrenos.
Aquilo também era claro, mas, como meu irmão,
obedeci. E voltei logo, dizendo:
- Nos outros terrenos há casas, pomares e
jardins.
- Que coisa! disse mamãe pensativa. Por que será
que se acumularam tantas coisas inúteis no terreno baldio?
Eu e meu irmão, triunfantes, respondemos quase que
ao mesmo tempo:
- Ora, mamãe, porque ele está vazio.
- Pobre terreno! exclamou mamãe. Não sendo
aproveitado para nada, transformou-se em depósito de lixo. Isso dá o que
pensar, pois é como os dias de nossa vida. Se não soubermos aproveitá-los, vão
se enchendo de coisas inúteis. Uma vida ociosa é como um terreno
baldio: recolhe tudo o que é ruim e imprestável. É por isso que na
vida do homem trabalhador, que sabe encher bem os seus dias, não há lugar para
os vícios, maldades e enganos de qualquer espécie.
Mamãe não tinha terminado ainda de dizer e meu
irmão e eu já nos entreolhávamos rubros de vergonha.
É escusado dizer que nos modificamos. E, ao longo
dos anos, em diversas circunstâncias da vida, quando se nos apresenta
qualquer oportunidade para a ociosidade, nos
lembramos daquele terreno vazio, cheio de papéis velhos, cacos de vidro e lixo.
Tudo inaproveitável.
do livro E, para o resto da vida... (Wallace Leal
V. Rodrigues)