sábado, 19 de março de 2011

Instantes - SE EU PUDESSE VIVER MINHA VIDA NOVAMENTE

 " Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria mais tolo ainda do que tenho sido; na verdade, bem poucas coisas levaria a sério. Seria menos higiênico. Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios. Iria a mais lugares aonde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos imaginários. Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto da sua vida. Claro que tive momentos de alegria. Mas, se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos. Porque, se não sabem, disso é feita a vida, só de momentos; não percam o agora. Eu era um daqueles que nunca iam a parte alguma sem um termômetro, uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um paraquedas; se voltasse a viver, viajaria mais leve.
Se eu pudesse volvar a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono. Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vez uma vida pela frente.
Mas, já viram, tenho 85 anos e sei que estou morrendo.
Se eu pudesse viver minha vida novamente, eu quereria vivê-la do jeito mesmo como a vivi, com seus desenganos, fracassos e equívocos. Doidice? Imaginem que eu estivesse infeliz. Eu teria então todas as razões para voltar atrás e tentar concertar os lugares onde errei. Mas eu não estou infeliz. Vivo um crepúsculo bonito, com a suíte número 1 de Bach, para violoncelo. Se houve sofrimentos no caminho, imagino que, se não os tivesse tido, talvez a suíte número 1 de Bach não estivesse sendo ouvida. Estou onde estou pelos caminhos e descaminhos que percorri.
E estou onde estou porque todos os meus planos deram errado. Isso é absolutamente verdadeiro. As pontes que construí para chegar aonde eu queria ruíram uma após a outra. Fui então obrigado a procurar caminhos não pensados. E aconteceu, por vezes, que nem mesmo segui, por vontade própria, os caminhos alternativos à minha frente. Escorreguei. A vida me empurrou. Fui literalmente obrigado a fazer o que não queria.
Sofri a dor da solidão e da rejeição. Mas foi esse espaço de solidão na minha alma que me fez pensar coisas que de outra forma eu não teria pensado.
Plantei árvores, tive filhos, escrevi livros, tenho muitos amigos e, sobretudo, gosto de brincar. Que mais posso desejara? Se eu pudesse viver minha vida novamente, eu  a viveria como a vivi porque estou feliz onde estou".

RUBEM ALVES - LIVRO SE EU PUDESSE VIVER MINHA VIDA NOVAMENTE...


SE....

E se descobríssemos que a felicidade não se procura, não se faz nem acontece...
são momentos em que o coração perde o pulso, descompassa, deixa de ser carne pra virar sentimento.
E se soubéssemos que tudo o que precisamos é de nada. Absolutamente nada.
Se desconfiássemos por alguns instantes que a tristeza, assim como a chuva, também passa, apesar de deixar as vezes alguns buracos pelo chão. Estes, mesmo tapados ainda serão
buracos.
Se percebéssemos que o sofrer e aquela dorzinha da alma fazem, na verdade, com que as lágrimas escorram como enchentes deixando alguns buracos no coração. E que esses buracos fazem parte do aprendizado e fazem parte do ser. Somos uma casa velha com histórias, e precisamos das cicatrizes pra poder contar um dia para alguém especial.
Ah... se ao menos pensássemos nos detalhes das pequenas coisas que fazem parte da vida, entenderíamos o abstrato como o concreto da alegria.
Se parássemos de tentar definir, conceituar e violentar, aprenderíamos que as palavras valem pouco, doem muito e de nada servem se não fizer parte da essência do ser.
Se de tudo um pouco soubéssemos..
Se de pouco tudo provássemos...
o vazio que sinto agora estaria cheio de nada. Porque se aprende vivendo. Se vive sonhando. Se cresce nos erros, experimentando.
Se sente no vento traiçoeiro das emoções. E se ama com o conjunto do corpo perfeito defeituoso, abrigo dos sentimentos e sentidos do ser. Do aroma eurudito na casa velha da nossa alma.
Se soubéssemos disso tudo antes não poderiamos ser. E eu sou.



Isabella Lage

quarta-feira, 16 de março de 2011

Pra se pensar...




Em agradecimento ao meu querido aluno André... Com carinho...



Investigar e aprender é função da mente. "aprender" não é mero cultivo da memória ou acumulação de conhecimentos, porém, a capacidade de pensar clara e sãmente, sem ilusões, partindo de fatos e não de crenças e ideais.
          Em nosso esforço para promover o total desenvolvimento do ente humano, devemos tomar em consideração tanto a mente inconsciente como o consciente. Tratar apenas de educar a mente consciente, sem compreender o inconsciente, é introduzir a autocontradição na vida humana, com todas as suas frustrações e desditas.
          A mente consciente é presente imediato, limitado, ao passo que a inconsciente está sob o peso dos séculos e não pode ser detida ou posta à margem por uma simples necessidade imediata.
          O inconsciente tem a qualidade do tempo profundo e a mente consciente, com sua recente cultura, não pode entender-se com o inconsciente, conforme suas passageiras premências. Quando não há resistência entre o manifesto e o oculto, então o oculto, dotado que é da paciência do tempo, não violará o presente imediato.
          A mente superficial que "experimenta" o exterior sem compreender o interior, o oculto, só Poe produzir conflito maior e mais amplo.
          A experiência não liberta ou enriquece a mente, como geralmente pensamos.
          Enquanto a experiência fortalecer o experimentador, haverá conflito. Tendo experiências, a mente condicionada apenas fortalece o seu condicionamento e, desse modo, perpetua a contradição e a desdita. Só a mente que é capaz da compreensão de todo o seu próprio mecanismo, pode experimentar ser um fator libertador.
          Uma vez percebidos e compreendidos os poderes e capacidades das numerosas camadas da mente oculta, poderão as particularidades ser examinadas judiciosa e inteligentemente. O importante é a compreensão da parte oculta, e não o mero preparo da mente superficial para a aquisição de conhecimentos, por necessários que sejam. Essa compreensão do oculto liberta a mente total do conflito, e só então há inteligência.
          Cumpre-nos despertar a capacidade plena da mente superficial que vive em diária atividade, e ao mesmo tempo compreender a mente oculta. Na compreensão do oculto há um viver total, na qual a autocontradição, com suas fases alternadas de sofrimento e felicidade, deixa de existir. É essencial estar-se familiarizado com a mente oculta e cônscio de seus movimentos; mas é igualmente importante não ficarmos ocupados com ela e atribuir-lhe indevida significação. É só quando a mente compreende o superficial e o oculto, que ela pode ultrapassar suas próprias limitações e descobrir aquela suprema e atemporal felicidade."

quarta-feira, 2 de março de 2011

Fala



FALA...


Para minha amiga Lorena Amaral com carinho....


Kierkegaar, filósofo dinamarquês, o primeiro que li, observou que toda fala contém duas coisas. Primeiro, aquilo que se diz, a mensagem que devo comunicar. Segundo, uma música, um jeito de falar, andamento, os pianíssimos, os fortíssimos. Para ele, é na música da fala que nós moramos, é ali que se encontra a nossa alma. Uma mesma mensagem pode ser dita ao som dos tambores ou do oboé. Lendo Kierkegaard aprendi isso intelectualmente. Na minha prática de psicanalista aprendi isso existencialmente. Eu tinha uma paciente que falava num dia em tom maior, no outro, em tom menor. Só de ouvir a música da sua fala, sem prestar atenção naquilo que ela estava dizendo, eu sabia como estava a sua alma. (É importante que um terapeuta não preste muita atenção naquilo que o seu cliente diz, a fim de ouvir aquilo que ele não diz...). Moramos na música das palavras. Somos amados não pelo que dizemos, mas pela música com que o dizemos. Preste atenção na sua música. Se a sua música não tiver pausas mansas, isso é sinal de que você é um chato que não deixa o outro falar nem ouve o que ele tem para dizer. Deveria haver uma terapia que ajudasse as pessoas a mudar a música da sua fala. Se conseguir mudar a música da sua fala você ficará diferente. Isso é especialmente importante para os professores, para os pais, para os amantes... Só por curiosidade, ligue sua televisão num programa em que algum deputado esteja discursando. Como eles gritam e sacodem o dedo!  São tão eloquentes... Quando você for procurar um candidato a qualquer cargo eletivo, não preste atenção no que ele diz, porque todos eles dizem a mesma coisa. Preste atenção na música da sua fala...


RUBEM ALVES - OSTRA FELIZ NÃO FAZ PÉROLA - PAG 180